sexta-feira, 19 de maio de 2017

Receitas da Memória, um documentário que emociona

No dia 08 de abril de 2017, foi realizado o lançamento do documentário Receitas da Memória dirigido por Peter Lorenzo e realizado na região do Médio Vale do Itajaí, apresentando histórias, memórias e receitas de falantes das línguas de imigração da região.


O documentário apresenta pessoas descendentes de alemães, italianos e poloneses, falantes das línguas de imigração da região, e traça um painel sobre o uso destas nas comunidades e famílias. Um fio condutor que explora as lembranças e receitas familiares na alimentação há gerações, busca as marcas dos antepassados e a dificuldade para a manutenção das memórias ajudando a preservar a historia e a memória das comunidades alemãs, italianas e polonesas como importante patrimônio cultural e linguístico do Brasil. 



Abertura com fala da prefeita de Doutor Pedrinho, Simoni None representando a AMMVI, na foto Rosângela Morello (Coordenadora Geral do IPOL), Regina Helena (IPHAN) e Peter Lorenzo

O lançamento aconteceu em Blumenau/SC, na Sede da AMMVI (Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí) e contou com a presença dos participantes do documentário e seus parentes, como a senhora Norma Maria Daruí e a Paola Darui Gadotti, o senhor Rubens Voigt e família, parentes também da senhora Helga Voigt, parentes da senhora Vilma Vicenzi,  e também do senhor Olívio Taffner.
Para que documentar línguas, memórias e receitas?
Após a exibição do documentário, foi conduzida uma mesa de debate com a temática “Para que documentar línguas, memórias e receitas?” contando com as convidadas pelo IPOL, Regina Helena M. Santiago, Chefe da Divisão Técnica do IPHAN/Superintendência Santa Catarina, Elizabeth Germer, Historiadora participante do projeto. Além delas, a equipe do IPOL esteve presente com a nossa Coordenadora Geral, Rosangela Morello, o diretor do documentário, Peter Lorenzo e as pesquisadoras Ana Paula Seiffert e Mariela Silveira.
Rosângela Morello, coordenadora geral do IPOL
Contextualizando a relação do instituto com a região do Vale Médio do Itajaí, a Coordenadora Geral do IPOL, Rosangela Morello, comentou sobre um projeto linguístico pioneiro, o projeto PLURES, iniciado no vale em torno de 2003 pelo IPOL, “aquele foi o primeiro projeto de ensino plurilíngue para línguas de imigração e foi criado para que as pessoas pudessem ensinar suas línguas em casa, pela prática, e a escola contemplaria esse saber, quer dizer, as crianças poderiam aprender com seus pais e avós e não iriam mais para as escolas achando q estavam falando errado, mas sim encontrar nas escolas a valorização para o que se aprendia em casa. O projeto Plures começou assim a construir uma rede de ressignificação da língua materna.”
Ana Paula, pesquisadora do IPOL, lembra que “em 2013 realizamos na região um projeto com o título de Receitas da Imigração, que resultou em um livro, e que foi o gérmen deste documentário; “algumas pessoas que estão aqui nesta apresentação, participaram também em 2016 no lançamento do livro e ainda hoje recebemos depoimentos emocionados de pessoas que abrem o livro e se identificam com as historias, com as imagens: parece meu opa, minha oma, meu nono, minha nona”.  Segundo Ana Paula,  o livro Receitas da Imigração foi pensado para contar, a partir das receitas culinárias, um pouquinho da historia dessas famílias descendentes de imigrantes e da historia de adaptação aqui na região do Médio Vale do Itajaí e foi escolhido essa região do vale justamente por ser este cenário muito rico, multilíngue, multicultural.
Documentário Receitas da Memória e Livro Receitas da Imigração
Os dois projetos desenvolvidos pelo IPOL,
o documentário Receitas da Memória e o livro Receitas da Imigração.

A receita dos projetos é o comprometimento das pessoas!

Mariela Silveira, coautora do livro, complementa que “a receita dos projetos, Receitas da Imigração e Receitas da Memória é exatamente o comprometimento das pessoas em nos receberem abrir suas casas, suas caixas de memória, confiando em nosso trabalho e através de uma coisa tão singela, contar uma receita, abrir seu baú e historias. Isso nos sensibilizou muito e ainda sensibiliza ao longo desse trabalho porque junto com as receitas vem a memória das línguas; as pessoas rememoram o que falavam, o que faziam, o que era cotidiano e corriqueiro. O que não existe mais, aquilo que se busca preservar, o que se busca manter vivo na memoria é o que é considerado patrimônio no sentido de herança cultural e com isso as pessoas se identificam”.

Elizabeth Germer em cena no documentário
Presente no livro e no documentário, Elizabeth Germer, moradora de Timbó e pesquisadora da região, relembra q “a gente ia pra escola chorando todo dia porque a professora falava uma língua que a gente não entendia”. Emocionada após a exibição, Elizabeth alerta a plateia dizendo que “todos nós temos ainda um pai, uma mãe, avó ou um irmão, um vizinho, alguém q curte e fala a língua trazida por nossos antepassados além-oceano, seja o alemão, o italiano;  ou a língua polonesa, ucraína ou o dialeto hunsrick lá para o oeste catarinense”. Falem com essas pessoas, elas geralmente tem vergonha de falar. Então esse é um pedido q faço: curtam essas pessoas, procurem falar com os mais idosos, conversem com eles, perguntem da vida; perguntem como foi porque tudo isso é historia, é nossa cultura”.
Regina Helena Meireles Santiago, chefe da divisão técnica da Superintendência do IPHAN em SC comenta que “Com a politica para o patrimônio imaterial do IPHAN, o que se tem alcançado dentro do âmbito do Inventário Nacional de Diversidade Linguística, (INDL), neste momento e que Rosangela comentou, são os inventários do hunsrick e libras que estão sendo feitos por editais publicados em 2015 e que já tinham sido pleiteados em algum momento. Portanto, gosto de incentivar as pessoas esclarecendo que muito depende das demandas que a sociedade faz. Das pessoas aos municípios, dos municípios ao estado, dos estados à união. Em Santa Catarina temos a oportunidade de acompanhar estes dois projetos importantes conduzidos pelo IPOL”, conclui.
Lorenzo comenta das facilidades que a tecnologia hoje disponibiliza “É diferente este processo de realização daquele de décadas atrás quando equipamentos e procedimentos mais pesados e complexos determinavam colocar num único produto um resumo, uma síntese, representando um monte de gente. Hoje é possível instrumentalizar as famílias ou comunidades para que façam seus registros; as famílias podem registrar (e o fazem) até mesmo com celulares, mas é preciso uma forma e procedimento para gerar documento, documentos digitais e assim otimizar os possíveis recursos alocados para registros audiovisuais. Diz também que o público alvo são jovens e crianças porque é ali que devemos semear.  É preciso trabalhar a série de fios de memória que estão dentro de produtos como o documentário e, sensibilizando, alcançar resultados com o público. Portanto é preciso desenvolver o olhar, a apreensão da realidade.
Peter Lorenzo, diretor do documentário Receitas da Memória
E isso se dá através do conhecimento e da experiência. Comenta que Avigor Arikha, um artista romeno, diz num documentário que só ama o que enxerga, “se não vejo, não amo”. Trazendo essa ideia isso para nossa realidade,  famílias, municípios, região, comunidade,  temos o neto que não entende a fala dos avós porque os pais não falam mais a língua materna e essa criança perde então a chance de amar / ver aqueles avós e de ter acesso as memórias e conhecimentos. Peter Lorenzo reitera que “são necessárias estratégias para alavancar estes primeiros momentos nos municípios; estratégias para tratar a questão das línguas, no registro e memória, com uma metodologia para o registro que traga a criança, o jovem, para participar se tornando ator, agente de sua história. É o que precisamos”.
Rosangela lembra que junto com estas estratégias estão as audiências publicas para a cooficialização, pois esse é o momento em que a comunidade se encontra e discute os mecanismos para este fim. Encerrando a mesa Rosangela conclui que “uma língua pode existir como documentação numa biblioteca, mas na nossa perspectiva língua é para ser usada! E a gente faz isso copiando os usos e para isso são varias as estratégias: públicas, familiares e tecnologias, pois língua só vive com uso.”

O debate reforçou a real demanda desses municípios por atenção em suas questões linguísticas envolvendo políticas públicas que os ampare. Após as falas, foi aberto o debate com todos os presentes, os quais manifestaram considerações sobre o documentário, a narrativa, emoções despertadas, mas também trouxeram dados e fatos reais que confirmam os objetivos do projeto.
Além de familiares dos entrevistados, na plateia contamos também com a presença de autoridades representantes dos municípios da região, tais como das Secretarias de Educação, de Promoção Social, de Cultura e Turismo, de Botuverá, Doutor Pedrinho, Pomerode, Blumenau, Timbó, Rodeio.

Simoni Mércia M. Nones, Prefeita de Doutor Pedrinho, SC.
Simoni Mércia M. Nones, Prefeita de Doutor Pedrinho, SC.

Eu sou terceira geração de imigrantes europeus, de pai alemão, mãe italiana, e quando a gente vê um documentário como esse a gente sai diferente. Como prefeita em meu município, Doutor Pedrinho, tenho a missão de tratar a questão das línguas, a questão das memórias. Quando vi o lançamento deste documentário no programa da AMMVI fiquei curiosa e aqui me emocionei do começo ao fim porque ele remete também a realidade do nosso município onde pessoas centenárias guardam muitas historias e sabemos que  precisamos preserva-las para q os filhos e netos  de dr Pedrinho tenham acesso a essa memória. Os antepassados são nossas raízes e sem elas não ficamos em pé. 
(Simoni Nones, prefeita de Doutor Pedrinho - SC)
Parabenizo a equipe e quero dizer que dificilmente num documentário consegui ver a linha poética q seguiu este documentário, foram tão felizes em conseguir fazer o encaixe das cenas da musica, esse alinhavo todo feito ao longo da historia. Várias vezes tive que enxugar os olhos de lembranças que eu tive na infância. Este é um documentário que deve ser mostrado para o Brasil inteiro porque mostra a vida daqueles que para cá vieram... eu fico imaginando .. como... que garra, que coragem dessas pessoas; o que moveu essas pessoas que vieram para áa e plantarem aqui a sua cultura.  É inimaginável e este documentário consegue trazer essa linha de poesia e de historia. 
(Walter Ramos Momm, advogado)
Tem um ditado alemão q diz que o espírito passa pelo estomago. Parabéns por esse trabalho importantíssimo, de levantar, resgatar e valorizar estes idiomas. Sou da primeira geração dos últimos imigrantes e reflito estas questões com meus filhos q nasceram na Alemanha. 
(Markus Blumenschein, Presidente do Conselho para o Ensino da Língua Alemã de Blumenau)
Parabéns para a equipe pelo trabalho, maravilhoso. E vendo as imagens que passaram a gente lembra lá o que se vivia, as comidas, da forma de viver, com os pais, com os vizinhos e também de quando foram proibidas as línguas. Eu vivi isso tudo 
(Olivio taffner, falante de talian e morador de Rio dos Cedros)
Como aparece no documentário, a minha mãe aprendeu palavras em alemão, ela me ensinou e eu usei esse conhecimento repassado por ela quando viajei. É importante manter a língua, ensinar para as crianças; aprender o que vai se usar lá na frente, preservando e  ampliando suas possibilidades também. Há muito tempo, tenho o desejo de contar, mostrar para as pessoas o que a gente sente, o que falamos. Em italiano dizemos “ciacerar, me piace ciacerar”, isto é,  eu gosto de conversar, e vendo ali no documentário a minha mãe, meu pai, os nossos plantadores de arroz ali cantando,   vejo que são atores, que são história, e isso é emocionante. É um orgulho para a gente poder participar desse trabalho e é uma alegria imensa. 
(Norma M. Da Rui, correspondente do consulado da Itália na região)
Em Botuverá estamos montando processo para o registro do bergamasco, um dos dialetos italianos no vale, para buscar no IPHAN o registro da  língua e preservar o patrimônio histórico de Botuverá que engloba tudo q esse refere a historia da imigração italiana de nossa região e seus valores culturais. Pretendemos inclusive o dicionário e um livro didático em Bergamasco para q sejam ministradas aulas em Botuverá, além de outros programas para revitalização e preservação do Bergamasco em nosso município. 
(Pedro Luiz Bonomini, Diretor de Cultura de Botuverá)
Quero parabenizar todo o trabalho. É um conjunto maravilhoso e na questão do publico alvo, o documentário vai ao encontro do jovem sim. 
(Sandra regina, da Secretaria de Educação de Blumenau)
Uma época era proibido falar alemão, outra era uma vergonha.  Se alguém falava italiano as pessoas ficavam bravas porque ninguém entendia. Eu sou descendente de pai polaco e mãe italiana e entendo a língua, sou casado com uma italiana, e tenho vergonha de não falar o italiano. Parabéns para o IPOL por esse trabalho que tivemos o prazer de ver e penso em quantas coisas se passaram nas cabeças das pessoas no documentário relembrando o q acontecia há muito anos atrás. Perdeu quem não veio ver esse documentário. Nós queremos colocar no município a volta dessas línguas, não só o italiano, mas o bergamasco, o tirolês,  pois  há diferenças nessas línguas e essa diversidade é importante Fato é que apesar das distancias,  realidade é quase a mesma nos municípios do vale, muda nome e sobrenome, e como gestor publico torço para q isso tenha continuidade. 
(Jeferson Mariani, Secretário de Cultura e Turismo de Botuverá)
Como jornalista e documentarista quero parabenizar a equipe da produção pela costura, por fazer os cortes do documentário com muita sutileza para amarrar as historias. Parabéns pela bonita captação de imagens pela edição e pela sensibilidade de fazer com que todos se emocionassem de maneira saudosista muitas vezes, mas nos chamando para uma reflexão bastante importante que é a da atualidade. Espero que se consiga sensibilizar os agentes políticos e atores políticos para que no trato da coisa pública, possamos juntos, talvez através da AMMVI, reunir 14 municípios e discutir um plano dos municípios para colocarmos, a exemplo de Pomerode, um segundo idioma oficial. Como gestores da coisa pública, precisamos chamar a sociedade civil e buscar alternativas para construção de nossa identidade. Esse é nosso desafio.  Todo mundo sai daqui um pouco melhor, transformados e motivados para q a gente possa perpetuar e preservar, manter, a identidade cultural da nossa região. Parabéns 
(Rodrigo Rogério Ramos, Presidente da Fundação Cultural de Blumenau)

Por fim, o IPOL agradece a todas e todos presentes, o quais fortalecem as ações de Políticas Linguísticas realizadas pelo Instituto e demonstram a necessidade de mais atenção.
Para mais informações, ipol.secretaria@gmail.com ou 48 3234-8056

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